Homenagem ao dia Mundial do Teatro: conversa de uma marioneta para a televisão
Tenho sempre alguma dificuldade em enfrentar um “Dia Mundial” por parecer que sou convocado para uma comemoração qualquer de apoio ao oprimido (não conheço o dia mundial do milionário, mas há o da pobreza; não há o dia mundial do homem mas há o da mulher!).
Ok! Hoje é o dia mundial do teatro!
Eu esforço-me para, como um amigo meu e mestre teatral me sugeriu (Carlos Curto), o dia mundial do teatro (para quem o faz) seja todos os dias. Isso mesmo: seja! E se pensarmos que o teatro está em crise, também está toda a arte contemporânea, está a economia mundial, está o nosso país, a política, estão os valores, está o rendimento familiar dos portugueses, a própria crise já está em crise, uma espécie de metacrise… Contudo, não nos esqueçamos que a crise é sinónima de perigo, e o perigo é a eminência da criatividade, do potencial transformador, porque já não é aquilo que era, nem é aquilo que ainda não é. Não sendo o que era nem o que será, voilá! Estamos no espaço predilecto do teatro, onde tudo pode acontecer.
A crise é o espaço das convenções abaladas, é o território da formulação de problemas, do questionamento, da problematização, do pôr em causa mas, sobretudo, da imaginação para se inovar, da inteligência para se transformar.
Na rotina desaparece o utópico. E está provado que os artistas de teatro não precisam de comer, nem de pagar renda, nem de assistência de saúde, nem de espaço para trabalhar, não precisam de ter carro, nem andar de transporte público, nem de segurança social; os artistas não precisam de subsídios (mesmo quem insiste em dá-los, como a Câmara de Coimbra, e que não paga há dois anos, depois de estar aprovado em Assembleia Municipal, e a companhia ter executado o plano previsto, se ter endividado, sem nunca mais ter sido atribuído mais algum apoio); os artistas de teatro não precisam de espaços para criar, nem produzir, nem cumprir o obsessivo objectivo dos “NOVOS PÚBLICOS”, não precisam de apoio à divulgação, eu acho que os artistas nem sequer precisam de ar para respirar! Meus caros, os artistas precisam é de uma crise! Pois!_ vivemos o tempo perfeito para o teatro. Teatro e vida estão agora de mãos dadas, um para o outro. Por isso, obrigado crise da sociedade contemporânea!
Em grandes épocas históricas, o modo da percepção sensorial, como a forma de existência colectiva da humanidade, altera-se, diz-nos Walter Benjamin nos seus escritos. Tem a televisão, o cinema, os media, a Internet, o youtube, a blogosfera, o desemprego, a renda por pagar, ou a casa penhorada. A nossa percepção sensorial altera-se, o contexto de existência é novo.
Posto isto, teatro (t.) alternativo, t. ambiental, t. antropológico (ou indígena), t. autobiográfico, t. burguês, t. das mulheres, t. narrativo, t. da crueldade, t. de agit-prop, t. da arena, t. radiofónico, t. televisivo, t. de boulevard, t. de câmara, t. de director, t. de guerrilha, t. amador, t. de massa, t. de imagens, t. de objectos, t. de participação, t. pobre, t. de tese, t. dentro do teatro, t. de rua, t. didático, t. documentário, t. equestre, t. espontâneo, t. experimental, t. laboratório, t. musical, t. invisível, t. mecânico, t. materialista, t. gestual, t. mínimo, t. numa poltrona, t. popular, t. político, t. total, happening, performance, t. dos significados misturados, anti-teatro, todos: vamos embora! É agora!
Ricardo Seiça – projecto BUH!
27 Março 2007