Razões para uma Denúncia.
Fui várias vezes tentado em participar no blog Denuncia Coimbrã.
Umas vezes em resposta a um desafio do seu principal mentor, outras motivado pela oportunidade dos seus textos e outras tantas ainda pelas enormes dificuldades que há quase 5 anos temos tido para criar um simples Cineclube numa cidade que se diz do Conhecimento.
Mas em todas elas resisto ou desisto, questionando-me:
Valerá a pena? Para quê?
As pessoas, sobre as quais tantas e tantas vezes se referem as denúncias, não foram eleitas pelo Povo e por duas vezes?
De quem é a culpa? Não será de todos e não de ninguém em particular?
Mas agora um valor mais alto se levantou e que despertou em mim um sentimento estranho e pesado (estranho porque é um misto de revolta e indignação, mas também de pena e de infelicidade, pois “as coisas são como são”, “cada Povo tem os políticos que merece”, etc.), que foi o artigo neste blog, “ZECA, COIMBRA ESQUECEU-TE!”.
Este sentimento estranho e pesado é demasiado triste e corresponde, no meu ponto de vista, a um estado de alma letárgico e abandonado.
Nesta altura e 20 anos depois da sua morte, o Zeca Afonso é demasiado importante para ter sido esquecido. Precisamos dele, do seu idealismo e do seu sonho.
Faço minhas as palavras de alguém que dizia, não sou optimista nem pessimista, sou realista. E, neste sentido, o que vejo? Vejo uma sociedade cada vez mais materialista e, sem que o Povo se aperceba (porque normalmente é desatento e reage tarde), a caminho de um liberalismo extremado em que muito poucos mandam
Mas os Políticos fazem o que for mais conveniente em cada momento para que sejam reeleitos e se mantenham no Poder, porque é essa a sua natureza (conhecem a fábula do Escorpião?).
Em Coimbra devia-se ter construído um Estádio de futebol ou um Centro Cultural? A utilização dos dinheiros públicos deve ou não ser orientada no sentido do gosto comum?
Portanto, a questão está precisamente na capacidade que tiver um determinado Político em querer governar para o Povo indo ao encontro do desejo de uma maioria, como lhe compete, mas, simultaneamente, ter a arte e o engenho de não esquecer aquela imensa minoria que é a que tem a força para criar uma ideia de romance, de beleza, de espiritualidade e que não esquece a ideologia.
Quantos são capazes de o fazer?
É por tudo isto que o esquecimento do Zeca Afonso por parte dos vários grupos, associações, políticos e demais instituições da cidade de Coimbra, é grave, muito grave. Vejam o que a determinada altura se pergunta no texto: “Então CMC? Então GEFAC? Então Secção de Fado? Então Ateneu? Então TAGV? Então…? Então essa memoria, essa gratidão?
É neste contexto, sobre esta letargia, sobre a falta de solidariedade entre os promotores culturais e sem que aquela imensa minoria tenha a possibilidade de intervir na sociedade de Coimbra que, no meu ponto de vista, deve ser feita a sua Denúncia.
Mas, a minha Geração é hoje a Geração do Poder.
Daí que sinta que também eu e tal como cada um de nós individualmente, temos responsabilidades no que está mal e no que deve ser mudado. Da minha parte, vai continuar a haver acção, em vez da crítica fácil, vai continuar a haver empenho e solidariedade, em vez de isolamento e vaidade.
Porque batemos no mais fundo dos oceanos, não é razão para deitarmos a toalha ao chão. O Zeca Afonso, se estivesse vivo, iria continuar a cantar contra isso e afinal não foi essa a principal mensagem que nos deixou?
Paulo Fonseca
Fila K Cineclube
domingo, fevereiro 25, 2007
Fila K Cineclube denuncia
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1 comentário:
Coimbra – cidade da desolação cultural
O comentário e o desenrolar da discussão é profícuo e dá razão à morte do autor, no sentido estrito, isto é, torna-se a voz do leitor. Sim, de um dia para o outro, o epíteto “cidade da exumação” perde heurística (imagine-se, pelo grande Zeca Afonso). Contudo, não perde razão parte do seu conteúdo que, por via de alguns comentários ao texto feito, segue agora uma clarificação.
Nas minhas viagens por Portugal, apercebi-me que os agentes da cultura que começaram em Coimbra o seu trabalho, profissionalizados na Direcção de Impostos enquanto tal, se encontram tendencialmente num conjunto de aldeias a que se dá o nome de Lisboa. Numa só noite encontrei no mesmo bar uma produtora, uma luminotécnica de teatro/dança, três actores e três músicos provenientes de Coimbra. Achámos o evento caricato, um happening simpático e digno de atenção. Também lá estava um engenheiro e um sociólogo, mesmo que estes se desviem um pouco das pretensões que aqui se quer fazer valer. Acidentalmente, uns meses depois encontro um músico, um advogado e um jornalista. Coimbra parecia ter mudado de cenário! Não quero propriamente desviar a vossa atenção para a fofoca e peço a vossa atenção. Na conversa com o músico sobre a cidade de Coimbra surgiu a clareza do argumento que, por parecer não ter sido claro suficiente, agora, se deseja (re)focar.
Coimbra faz nascer propostas artísticas muito interessantes? Mas porquê? Porque são projectos que desde sempre entraram em ruptura com o “dado adquirido” cultural, a expectativa esperada da desolação que se pode definir como “fado, pimba e cerveja choca”. Esta ruptura está inerente em todos os projectos de rock e alguns pop, em propostas na área da fotografia, da dança, e da performance. Indo ao encontro de um comentador do primeiro texto, parece que “Coimbra tem mais encanto na hora da despedida”, justamente. Tudo o que é bom em Coimbra tem intrínseco um distanciamento para com a pasmaceira cultural que a cidade nos habituou desde há muitos anos. Esse distanciamento, ou deslocamento simbólico, cria identidades particulares e constituem pequenas minorias que negoceiam performativamente uma imagem diferente da cidade, que lhe dão a vida que a cidade de outra forma não teria e, por isso, essas propostas, ajudam a fazer cidade (o epíteto “cidade do rock” já está nacionalizado, mesmo que, aqui, desprezado). Essas propostas que se desviam da expectativa que os governantes têm, são a força motriz da criatividade explosiva da cidade (o Zeca Afonso é isso para a canção popular, para o fado), e ainda bem. O que aqui se pretende dizer é que a cidade não quer nem sabe reinventar-se com e a partir desses seus filhos.
Desprezam-se argumentos obtusos que afirmam a falta de fibra e de incapacidade de realização para quem opta sair desta cidade, por não encontrar nela espaço de possibilidade para sobreviver através da profissionalização em áreas culturais na mesma medida que se despreza a construção de uma sociedade em que as pessoas ficam aprisionadas em casa para justificar o seu investimento numa habitação, e a ver telenovelas para justificar a televisão, ou a incapacidade de socialização; que recusam experimentar a arte como fonte de liberdade, de conhecimento, de razão e afirmação de existência, e que comem pipocas ou hambúrguers em frente a um filme de fraca resolução ripado na Internet.
Chamar a esses artistas de pouco fibrosos é arrogante e imbecil. Porque eles são profissionais liberais, não têm ordenado mensal, nem ADSE, nem 13.º mês, nem artigo 4.º, nem, sequer, direito a subsídio de desemprego. Essa ideologia é comparsa da ideia da cidade não saber tirar proveito do seu imenso património (morto mas, sobretudo, o vivo), em afirmar que importa fazer sociedade no lazer, no turismo, no conhecimento através da cultura. Não venham chamar os artistas, os “cheios de encanto”, de falhados. E o Afonso ir-se embora não é o problema, é a consequência do problema.
O verdadeiro problema da cultura nesta cidade prende-se com a inépcia que os governantes políticos locais protagonizam em não querer criar condições de possibilidade para que ela se possa desenvolver e criar um mercado, quer dizer, se torne auto-suficiente. Por “criação de possibilidade” entende-se uma política cultural para cada expressão artística sabendo que, ajudando uma, se pode estar a ajudar também a outra, uma política que crie as bases para modelos integrados de apoio cultural.
Sem demagogias, a condição fundamental é a criação de espaços físicos que possibilitem a construção integrada da oferta cultural. Uma companhia de teatro jamais conseguirá apoios do Estado Central se não possuir um espaço físico que garanta a prossecução do projecto. É por isso que não vem quase dinheiro nenhum do Instituto das Artes para a cidade. Uma banda musical precisa de um espaço para ensaiar e tocar. Um artista plástico precisa de um espaço para produzir e apresentar a sua obra. Um realizador precisa de um cinema. Todos precisam de formação e, quase todos, também já podem ajudar a formar outras pessoas. E po0r espaço físico não se entende um Teatro Municipal, ou um mega-centro cultural, bastam pequenos clubes, estúdios, 30m2, seja. Todos estes artistas terão, eventualmente, interesse em se ver incluídos numa programação conjunta para que esse espaço, através da diversidade de oferta cultural, cative mais e diferente público. Terão igualmente interesse em trazer de fora outras propostas culturais para criarem sinergias e poderem apresentar-se na terra de onde os grupos convidados vêm (no país e na Europa). E se no seu espaço também houver um restaurante, um bar, uma livraria, mais facilmente se tornará num local de passagem.
Há anos que se houve o argumento de que não existem espaços para preencher as necessidades dos artistas, não passa de poeira para os olhos. Olhemos apenas os espaços que já existem de cariz cultural:
O que é a Oficina do Teatro? É um espaço que custou milhares de euros de uma companhia, o Teatrão, que também controla o dito (morto e ainda não nascido) Museu dos Transportes. São dois espaços para uma companhia de teatro. Dá emprego a cerca de uma dezena de pessoas, se tanto.
O que é o Teatro da Cerca de S. Bernardo? É um diferendo entre a Câmara Municipal de Coimbra e a Escola da Noite para esta se ver hospedada e aí poder realizar as suas produções e justificar, em frente às cadeiras de plateia já estragadas, o facto de sempre terem tido dinheiro para existir (desde Coimbra, Capital Nacional do Teatro, lembram-se?). É um espaço fechado, de milhares de euros e para uma companhia de teatro. Dá emprego a cerca de dezena e meia de pessoas.
O que é o Centro de Artes Visuais? É um espaço de média dimensão que investe na fotografia e faz instalações numa assumida posição de exportador de cultura. É, igualmente, o que resta do magnífico evento que se chamava “Encontros de Fotografia de Coimbra”. É um espaço que não contribui directamente para o apoio aos artistas locais. Dá emprego a meia dúzia de pessoas.
O que é o Pavilhão Centro de Portugal? É um edifício do Siza Vieira que esteve em Hannover e que se disse que iria ser um centro de cultura, que passou a ser um satélite de Serralves e que, agora, é uma pia para os governantes locais lavarem as mãos sempre que as vêem sujas pelo atraso, desinteresse, ou impossibilidade de Serralves colocar uma nova exposição. É um espaço fechado e que em nada contribui para os artistas locais. É um edifício vazio e sem janelas para não se ver a desolação interior. Não dá emprego a ninguém.
O que é o Teatro de S. Teotónio? É da Igreja e serve para as festas do colégio e pouco mais. Não dá emprego a ninguém.
O que é a Sala Nobre da Cidade? Foi uma biblioteca e passou a ser sala de exposições municipal e que agora fica à mercê de quem queira lá entrar para idealizar o que nunca lá se fará. O senhor vereador tratará de enviar um qualquer funcionário para receber a proposta para dar trabalho aos arquivistas da câmara sem lhe pôr os olhos. É um espaço fechado e que não dá emprego a nenhum artista local.
O que é a Casa Municipal da Cultura? É uma biblioteca acima da média, uma fonoteca, uma sala de exposições deprimente com vista para os “exaustores” do gabinete do vereador da cultura, uma cantina com gente simpática, uma sala de conferências que é oferecida pela Câmara como único espaço possível de ceder para se realizarem espectáculos teatrais, é um estúdio para o Bonifrates trabalhar, e é a sede das Mondeguinas. Também é o CAPC que são persianas brancas e opacas para não se ver o que está lá dentro. É uma porta que não se abre.
O que é o Sousa Bastos? Era um teatro mas agora é uma ruína e que vai servir para habitação porque não se soube idealizar um teatro municipal (as acessibilidades não o permitem), nem sequer um conjunto integrado de salas para se poder criar, formar e aprender expressões artísticas, e um estúdio para apresentar espectáculos de pequena/média escala e dar vida cultural aquela zona nobre da cidade.
O que é o Avenida? É um shopping falido, depois de ser cinema, depois de ser um cine-teatro. Agora aluga as salas mas numa cidade sem apoio às associações culturais e com os produtores fora da cidade, não passa de uma série de vitrinas vocacionadas para a desolação dos transeuntes que utilizam o elevador como atalho dos seus destinos. Emprego cultural: zero.
O que é a Oficina da Relvinha? É o espaço de uma utopia arquitectónica nesta cidade, que nasceu com Coimbra 2003 – Capital Nacional de Cultura, onde as pessoas do bairro fazem convívios e comezainas, mas que já realizaram espectáculos teatrais e musicais.
O que é o TAGV? É um teatro da universidade que cumpre o serviço público da cultura na cidade. É o substituto do Teatro Municipal que não existe nem, desenganem-se, não existirá. O Estádio de Futebol, serviu para um shopping, mas não houve imaginação para lhe anexar nem um pequeno estúdio de apresentação de espectáculos.
O que é o teatro estúdio do CITAC e do TEUC? São inter-organismos vocacionados para a formação teatral, situados por cima de um bar que, contratualizado entre a AAC e um empresário faz karaoke e põe house em altos berros a partir das 22h, ou 23h, enquanto por cima os formandos teatrais fazem relaxamento ou se concentram para ensaiar a obra de dramaturgos intemporais.
O que é o Teatro Paulo Quintela? É um espaço que serve para algumas Assembleias Magnas da AAC, quando as havia com tanta gente.
O que é o Jardim Botânico? É um jardim da época pombalina e que agora está fechado ao fim-de-semana porque se vê incapacitado para suportar as despesas, talvez para os papás ou mamãs (quando estão presentes) levarem os seus filhos aos únicos espaços de lazer abertos, aos shoppings, perdão, ao cinema.
O que é o Museu da Ciência? Diria que é um grande projecto, talvez possível à custa da propina máxima (corrijam-me se estou enganado).
O que é o Museu da Cidade? É um edifício de ferro único que ninguém sabe onde fica e que tem a colecção doada por Telo de Morais, bem como uma série de exposições temporariamente sós (conheço, pelo menos, um projecto de animação do museu recusado).
O que é o Teatro do Inatel? É do Inatel e albergava a mafia – Federação Cultural de Coimbra onde, os seus associados ensaiavam e apresentavam os seus trabalhos, mesmo sem apoio algum da Câmara Municipal de Coimbra. Fechou por ordem da administração do INATEL, por não ter condições de segurança e necessitar de obras que se desconhece quando terão lugar. Ficou a mafia sem espaço, depois de ter sido esbulhada pela Câmara Municipal de Coimbra (foram mudadas as fechaduras sem aviso prévio) do antigo quartel do Bombeiros, na Avenida Sá da Bandeira, quebrando um protocolo efectuado uns meses antes pelo anterior executivo, sem que o Tribunal Administrativo, ou o Supremo Tribunal administrativo, se considerasse apto em julgar esse problema. Agora é sede provisória da Polícia Municipal de Coimbra.
Depois desta análise é que fiquei a perceber o que os nossos governantes políticos queriam dizer com “não há espaços”. Realmente, estes espaços não existem, e ponto final. Estes, são apenas espaços com potencial cultural, escuso-me de referir outros espaços em ruína por toda a cidade.
Para concluir e não deixar dúvidas sobre o argumento da desolação e da inevitabilidade dos agentes da cultura serem forçados em sair da cidade, façam-se as contas ao dinheiro gasto em parte destes edifícios já restaurados e descubra-se o que andam a fazer com os dinheiros públicos da Câmara, perdão, dos contribuintes. Se os agentes da cultura profissionalizados enquanto tal se vão embora desta cidade é porque ela não está, de facto, disposta em querer saber, querer acontecer, querer produzir conhecimento através da cultura. Mesmo os artistas que aqui vivem, não é por serem daqui que se podem afirmar enquanto artistas, não podem, não se lhes dão condições. E se não houver casas de banho todos irão, espera-se, ao bueiro. Mas é que nem isso…
Ricardo Pankas
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